A viagem de trem entre Catalão a Goiânia, com duração de 13 horas, foi um marco de modernização que transformou o transporte e a economia de Goiás.

Entre as décadas de 1910 e 1950, viajar de trem entre Catalão a Goiânia era mais do que uma simples locomoção: era uma experiência social, econômica e cultural. Com um tempo estimado de 13 horas, essa viagem atravessava paisagens do cerrado e conectava dois importantes centros urbanos do estado de Goiás. A Estrada de Ferro Goiás (EFG), responsável por essa rota, desempenhou um papel crucial no desenvolvimento regional, contribuindo para a integração de Goiás ao restante do Brasil e promovendo mudanças significativas na economia local.
Embora os trilhos hoje estejam desativados, o impacto da ferrovia permanece vivo na memória coletiva de Goiás, evidenciando como o transporte ferroviário transformou a dinâmica social e econômica da região.
A criação da Estrada de Ferro Goiás: conectando o isolamento ao progresso
A construção da Estrada de Ferro Goiás começou em 1909, quando a primeira estação foi inaugurada em Catalão. Inicialmente, a ferrovia buscava conectar Goiás ao Triângulo Mineiro, permitindo o escoamento de produtos agrícolas e pecuários para grandes centros urbanos do Sudeste, como São Paulo e Rio de Janeiro.
O projeto foi viabilizado por meio de uma parceria entre o governo federal e a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que já operava no interior de Minas Gerais. Naquela época, Goiás enfrentava desafios significativos relacionados ao transporte: as estradas eram precárias, e as viagens de longa distância dependiam de tropas de burros e carros de bois, o que tornava o transporte lento, caro e pouco eficiente.
A chegada dos trilhos a Catalão e, posteriormente, a Goiânia, representou um avanço estratégico. Com o trem, o estado deixou de ser uma região isolada e passou a integrar a economia nacional, beneficiando-se das crescentes demandas do mercado.
A experiência de viajar de trem: 13 horas de interação e paisagens
A viagem de trem entre Goiânia e Catalão era, para muitos, uma oportunidade de interação social e contemplação das paisagens do cerrado. Durante as 13 horas de trajeto, os passageiros tinham a chance de conhecer diferentes cidades, como Ipameri e Pires do Rio, onde o trem fazia paradas regulares.
Os vagões eram divididos em classes, proporcionando experiências distintas. Na primeira classe, viajavam políticos, empresários e famílias de maior poder aquisitivo, que desfrutavam de vagões confortáveis, com poltronas acolchoadas e serviços diferenciados. Já na terceira classe, agricultores e pequenos comerciantes ocupavam bancos simples de madeira, muitas vezes acompanhados de mercadorias que seriam vendidas ou trocadas nas cidades por onde passavam.
Além da interação entre os passageiros, as paradas nas estações eram momentos aguardados com entusiasmo. As plataformas ferroviárias tornavam-se pontos de encontro para a troca de notícias, mercadorias e até mesmo entretenimento. Para as comunidades locais, a chegada do trem era um evento, movimentando o comércio e a vida social.
O impacto econômico do transporte ferroviário em Goiás
A Estrada de Ferro Goiás trouxe mudanças profundas na economia regional. Antes da ferrovia, Goiás enfrentava dificuldades para escoar sua produção agrícola e pecuária para outros estados. O transporte por tropas ou carros de boi era caro e demorado, limitando as possibilidades de crescimento econômico.
Com a chegada do trem, produtores locais ganharam acesso a mercados maiores. Mercadorias como grãos, carne bovina e produtos artesanais passaram a ser transportadas com mais rapidez e eficiência, ampliando as oportunidades comerciais. Além disso, a ferrovia facilitou a chegada de insumos e bens industrializados ao estado, dinamizando o comércio interno.
Cidades como Catalão, Ipameri e Pires do Rio experimentaram um crescimento populacional expressivo graças à ferrovia. De acordo com o historiador Denis Castilho, entre 1890 e 1920, Catalão teve um aumento populacional de 243%, impulsionado pela chegada de migrantes e pela instalação de pequenos negócios e indústrias ao longo dos trilhos. As estações ferroviárias tornaram-se centros comerciais, onde agricultores, comerciantes e artesãos se reuniam para negociar seus produtos.
A ferrovia também desempenhou um papel importante na urbanização de Goiás. Ao longo dos trilhos, surgiram vilas e cidades, muitas das quais se consolidaram como polos econômicos e culturais.

A transformação social proporcionada pelo trem
Além do impacto econômico, o trem trouxe mudanças sociais significativas para Goiás. Pela primeira vez, pessoas de diferentes origens e classes sociais tinham acesso a um meio de transporte rápido e relativamente acessível. Isso possibilitou a mobilidade de trabalhadores, estudantes e famílias, ampliando as oportunidades de emprego, educação e lazer.
O trem também conectou Goiás a novos padrões culturais e de consumo. Produtos antes inacessíveis, como tecidos, utensílios domésticos e alimentos industrializados, começaram a chegar ao estado, transformando os hábitos e costumes da população. Ao mesmo tempo, as viagens de trem proporcionavam um contato mais próximo entre pessoas de diferentes regiões, enriquecendo o intercâmbio cultural.
O declínio do transporte ferroviário em Goiás
Apesar de sua relevância, o transporte ferroviário começou a declinar no Brasil a partir da década de 1930. Influenciado pela expansão da indústria automobilística e pelas políticas econômicas dos Estados Unidos, o governo federal passou a priorizar o transporte rodoviário, investindo na construção de estradas em detrimento das ferrovias.
Em Goiás, o impacto foi sentido nas décadas seguintes. A Estrada de Ferro Goiás enfrentou dificuldades financeiras e, aos poucos, perdeu sua competitividade. Na década de 1950, o trecho Goiânia-Catalão ainda operava, mas já mostrava sinais de decadência. A última viagem de trem entre as duas cidades marcou o fim de uma era que havia transformado Goiás.
Reflexões sobre o papel do trem na atualidade
A história da viagem de trem entre Goiânia a Catalão oferece lições valiosas para o presente. Em um momento em que a sustentabilidade e a eficiência logística são prioridades globais, o transporte ferroviário volta a ser discutido como uma alternativa viável e econômica. Países como China, Índia e Estados Unidos continuam a investir em ferrovias, reconhecendo sua capacidade de integrar regiões, reduzir custos e minimizar impactos ambientais.
No Brasil, a retomada de investimentos em infraestrutura ferroviária poderia beneficiar estados como Goiás, conectando produtores rurais aos mercados nacionais e internacionais e promovendo o desenvolvimento regional.
A memória de uma era de progresso sobre trilhos
Viajar de trem entre Goiânia e Catalão foi uma experiência que marcou a história de Goiás. Durante 13 horas, passageiros atravessavam paisagens, conectavam cidades e construíam histórias que ainda hoje ecoam na memória coletiva do estado. A Estrada de Ferro Goiás foi um marco de modernização e progresso, evidenciando o papel crucial das ferrovias no desenvolvimento regional.
Embora os trilhos tenham sido substituídos por rodovias, a memória do trem permanece viva como um símbolo de inovação e integração. Resgatar essa história é essencial para refletir sobre o impacto do transporte ferroviário no passado e sua relevância no futuro.
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