Goiás chora a morte da Princesa de Óculos

Rafaela Raizer Landim Silva, de 10 anos, morreu após lutar contra um tipo raro de leucemia desde 2014, mas seu drama ajudou a mudar legislação e beneficiar vários pacientes.

Depois de lutar desde 2014 contra um tipo raro de leucemia, morreu na madrugada deste sábado, no Hemolador, em Goiânia, a garota Rafaela Raizer Landim Silva, de 10 anos, que ficou conhecida como a Princesa de Óculos, uma homenagem do irmão caçula. Portadora de uma mutação cromossômica conhecida como Filadélfia, a menina foi instrumento para uma campanha que mudou o perfil do Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). Por causa de Rafaela, Goiás é hoje o único Estado do país que não possui limites no número de doadores cadastrados no Redome.

Rafaela ficou conhecida em 2013 quando o irmão, Alexandre Raizer Landim Silva, aos 7 anos, escreveu para ela o livro A Princesa que Usa Óculos. A obra, que conta a história da princesa Rafaela, nasceu para convencer a garota, que era portadora de astigmatismo e hipermetropia, a usar o acessório. Ela o rejeitava porque nos contos de fadas nenhuma princesa usa óculos. Na narrativa, a personagem que tem os óculos roubados por um monstro, recebe ajuda de um príncipe para recuperá-los.

O livro convenceu Rafaela a usar óculos, mas ele também foi uma ferramenta essencial na luta da família para conseguir um doador compatível de medula óssea para a filha, que teve a leucemia diagnosticada em 2014. Com a notícia, os pais, a assistente social Luciana Raizer e o auditor fiscal Eugênio César da Silva, começavam a trilhar um caminho de muito sofrimento que durou quatro anos. Como ambos os filhos foram adotados, a probabilidade de encontrar um doador compatível no seio familiar era de 1 para cada 100 mil, segundo Eugênio.

Inicialmente, os pais buscaram a família biológica de Rafaela e não tiveram sucesso em termos de compatibilidade. Nasceu então a campanha Doe Vida, Doe Medula, Doe com Fé. “Focamos a campanha na informação, na importância do cadastro, não na dor e no sofrimento. Mostramos que por trás de uma leucemia existe vida e temos que lutar por ela”, disse Eugênio ontem ao POPULAR, ainda muito abalado com a perda da filha. A mobilização alcançou todo o país e chegou ao exterior gerando um número recorde de doadores.

Na época, o número de doadores de medula óssea era limitado a 12 mil por cada estado da Federação. “Quando passou deste número, o Redome reclamou”, lembra o servidor público. Eugênio se fortaleceu ainda mais para desatar esse nó. Esteve em audiência com os titulares da Secretaria Estadual de Saúde e do Ministério da Justiça e contou com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil – seção de Goiás. Liminar do juiz federal Urbano Leal Berquó Neto em uma ação civil pública ajuizada pela instituição deu a Goiás, em outubro de 2015, o direito de extrapolar, sem limites, o número de doadores no Redome.

A campanha foi um enorme sucesso. Foram contabilizados cerca de 21 mil cadastros. Pelo menos cem pessoas foram chamadas para fazer exames complementares atendendo a necessidade de pacientes de todo o país. Rafaela conseguiu 20 doadores compatíveis e de um deles vieram as células saudáveis que tanto precisava. Durante a campanha, a garota fez o tratamento em Goiânia e conseguiu retomar atividades cotidianas, como o balé e aulas de inglês e de catequese. Entretanto, um ano depois, veio a primeira recidiva.

O transplante foi realizado em 2015 no Hospital Samaritano, na capital paulista. Enquanto esteve internada, Rafaela não perdeu a vivacidade e demonstrou generosidade. Para enfrentar os percalços do tratamento, aprendeu a pintar. Os quadros elaborados no período foram expostos em São Paulo, em Goiânia e em Anápolis e toda a renda obtida com a comercialização foi doada a uma instituição filantrópica paulista voltada para pacientes portadores de leucemia, comandada pela médica que a atendeu. “Rafa deixa um legado de esperança para muitas pessoas”, diz o pai sobre a campanha desencadeada em função da doença da filha. “Fazer um cadastro é extremamente simples para quem doa, mas extremamente difícil para quem recebe”, ressalta Eugênio.

Fonte: O Popular

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